POSSIBILIDADES DE COMPENSAÇÃO CRUZADA DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS COM CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS
Janir Adir Moreira e Alessandra Camargos Moreira
Advogados tributaristas
O nosso propósito neste artigo é analisar as possibilidades das empresas promoverem a chamada “compensação cruzada” nas hipóteses em que sejam detentoras de decisão judicial transitada em julgado que lhes reconheça créditos de tributos federais para compensação com débitos de tributos administrados pela Receita Federal do Brasil.
Da orientação normativa da Solução de Consulta COSIT 051/2021
No âmbito administrativo a Receita Federal do Brasil, através da Coordenação-Geral de Tributação (COSIT), emitiu a Solução de Consulta nº 50/2021 (DOU de 06/04/2021), através da qual dispõe que é vedado promover compensação de débito de contribuições previdenciárias, apurados posteriormente à utilização do e-social, com créditos dos demais tributos administrados pela RFB, que sejam reconhecidos em decisão judicial transitada em julgado, relativos a período de apuração anterior à utilização do e-social, sendo que a Solução de Consulta tem efeito vinculante para todas as autoridades administrativas da Receita Federal. Esta tormentosa situação ocorre especificamente nas hipóteses em que os créditos de tributos federais refiram-se a períodos de apuração anteriores à utilização do e-Social e as empresas pretendem compensá-los com contribuições previdenciárias correspondentes a períodos de apuração vincendos.
O mesmo entendimento já vinha sendo aplicado pelas Delegacias da Receita Federal, que sistematicamente negavam a compensação cruzada nas hipóteses em que os créditos de tributos federais tivessem períodos de apuração anteriores à adoção do e-Social, sendo irrelevantes a data do trânsito em julgado e a data da habilitação administrativa do crédito. Deve-se levar em conta que a compensação cruzada, nesta hipótese inadmitida pela Receita Federal, é aquela realizada entre débitos de natureza previdenciária e créditos correspondentes aos demais tributos federais, e vice versa, regulamentada pela Instrução Normativa – IN RFB Nº 1717/2017, com as alterações implementadas pela IN RFB nº 1810/2018.
Para a efetivação das compensações autorizadas por decisão judicial, após o trânsito em julgado, o contribuinte deverá protocolar o Pedido de Habilitação junto à Receita Federal, sendo que em decorrência do mesmo será gerado o processo administrativo correspondente e na sequência são protocoladas as Declarações de Compensação. Há que se considerar que em razão dos incisos I e II do § 1º do art. 26-A da Lei nº 11.457/2007, com a redação da Lei 13.670/2018, agora interpretados com efeito vinculante pela SC 051/2021, somente é possível realizar a compensaçao cruzada quando os respectivos créditos de tributos ou comtribuições sejam apurados posteriormente à vigência do e-Social.
A Lei nº 13.670, de 30/05/2018, alterou a Lei nº 11.457/2007, assim dispondo:
“Art. 26-A. O disposto no art. 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996 :
I - aplica-se à compensação das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei efetuada pelo sujeito passivo que utilizar o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial), para apuração das referidas contribuições, observado o disposto no § 1º deste artigo;
II - não se aplica à compensação das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei efetuada pelos demais sujeitos passivos;
§ 1º Não poderão ser objeto da compensação de que trata o inciso I do caput deste artigo:
I - o débito das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei:
a) relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para a apuração das referidas contribuições; e
b) relativo a período de apuração posterior à utilização do eSocial com crédito dos demais tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil concernente a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das referidas contribuições; e
II - o débito dos demais tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil:
a) relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração de tributos com crédito concernente às contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei; e
b) com crédito das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das referidas contribuições.
§ 2º A Secretaria da Receita Federal do Brasil disciplinará o disposto neste artigo.”
Esta novel orientação da SC 051/2021 impacta negativamente os contribuintes, pois, embora sejam beneficiados por decisão judicial transitada em julgado que lhes assegura os créditos tributários, nas hipóteses em que os mesmos sejam apurados anteriormente à utilização do e-Social ficam impedidos de promoverem a sua compensação com contribuições previdenciárias vincendas e vice-versa, ainda que o trânsito em julgado tenha sido em data posterior à referida utilização do e-Social, sendo certo que no âmbito administrativo não há como pretender tal compensação.
Dos fundamentos de invalidade da norma restritiva à compensação cruzada quando a data do trânsito em julgado for posterior ao início do e-Social
Por outro lado, em relação aos créditos reconhecidos por decisão judicial, existem fortes razões jurídicas para se considerar que o marco temporal de sua constituição é a data do trânsito em julgado da decisão e sendo a mesma posterior à adoção do e-Social torna-se possível legitimar a referida compensação. Os fundamentos jurídicos a seguir elencados somente poderão ser arguidos frente ao Poder Judiciário, uma vez que conforme já dito anteriormente, dado ao efeito vinculante da Solução de Consulta nº 051/2021 as repartições da Receita Federal do Brasil deverão seguir a sua orientação.
A Lei 13.670/2018, trouxe avanços quando instituiu a compensação cruzada, todavia, estabeleceu restrições à referida compensação que ferem o direito dos contribuintes consoante fundamentos jurídicos a seguir elencados. Vejamos a redação do art. 76:
“Art. 76. Além das hipóteses previstas nas leis específicas de cada tributo e no art. 75, a compensação é vedada e será considerada não declarada quando tiver por objeto:
XVII - as contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º da Lei nº 11.457, de 2007, na hipótese em que a compensação de que trata a Seção I deste Capítulo for efetuada por sujeito passivo que não utilizar o eSocial para apuração das referidas contribuições; (Incluído(a) pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1810, de 13 de junho de 2018)
XIX - o débito das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º da Lei nº 11.457, de 2007: (Incluído(a) pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1810, de 13 de junho de 2018)
a) relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das referidas contribuições; e (Incluído(a) pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1810, de 13 de junho de 2018)
b) relativo a período de apuração posterior à utilização do eSocial com crédito dos demais tributos administrados pela RFB concernente a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das referidas contribuições; ou (Incluído(a) pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1810, de 13 de junho de 2018)
XX - o débito dos demais tributos administrados pela RFB: (Incluído(a) pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1810, de 13 de junho de 2018)
a) relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º da Lei nº 11.457, de 2007, com crédito concernente às referidas contribuições; e (Incluído(a) pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1810, de 13 de junho de 2018)
b) com crédito das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º da Lei nº 11.457, de 2007, relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das referidas contribuições. (Incluído(a) pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1810, de 13 de junho de 2018)”
Quanto às restrições mencionadas deve ser registrado ainda que o referido dispositivo legal estabeleceu as hipóteses de vedação à compensação cruzada, agravada pela condição de "compensação não declarada", cujos efeitos jurídicos principais são o estorno da compensação realizada e a imposição de penalidades específicas.
O cerne da questão jurídica é a interpretação da COSIT relativa ao disposto no art. 26-A da Lei 13.670/2018, quando entende que a compensação cruzada somente será admitida nas hipóteses em que os créditos reconhecidos em decisão judicial transitada em julgado se refiram a períodos de apuração posteriores à adoção do e-Social. No caso, é evidente que o período de competência dos créditos a compensar não tem relação com os respectivos meses de apuração dos valores recolhidos indevidamente (objeto da decisão judicial), pois o contribuinte somente passou a ter direito à sua compensação a partir do trânsito em julgado da decisão judicial que lhe assegurou os respectivos créditos, consoante o que demonstraremos a seguir. Desta forma, o marco temporal para os créditos, indiscutivelmente é a data do trânsito em julgado da decisão que reconheceu o direito à compensação dos respectivos créditos.
Considerando-se, a hipótese da existência de decisão transitada em julgado com o reconhecimento do direito do contribuinte em compensar os valores recolhidos a mais (como por exemplo, decorrentes da inclusão do ICMS nas bases de cálculo da COFINS e PIS, contribuições previdenciárias sobre verbas indenizatórias, dentre outros) cujos períodos-base antecedem a edição da Lei 13.670/2018, a Receita Federal do Brasil não admite a compensação de tais valores com contribuições previdenciárias, uma vez que ao seu juízo tais compensações contrariam o disposto no art. 26-A, § 1º, “b”, da Lei 11.457/2007, incluído pela Lei 13.670/2018.
Não se pode perder de vistas que créditos decorrentes de decisões judiciais somente podem ser escriturados e utilizados após o seu trânsito em julgado, de forma que a interpretação do que seja "período de apuração" de tais créditos não pode seguir essa linha restritiva. Isso porque embora a competência originária de tais créditos seja anterior à adoção do e-Social, sua efetiva apuração somente poderá se dar posteriormente ao trânsito em julgado, e se este ocorrer depois da adoção do e-Social certamente que atenderá ao disposto no dispositivo legal acima mencionado.
É indubitável que enquanto não ocorrer o transito em julgado de decisão que reconheça o crédito tributário, o mesmo não existe e em assim sendo o seu nascedouro ocorrerá na data do referido transito em julgado, como expressamente disciplinado pelo art. 170-A do CTN, corroborado ainda pelas disposições do art. 74, § 12, II, "d", da Lei nº 9.430/96, que por sua vez considera não declarada a compensação em que o crédito que se pretenda utilizar seja decorrente de decisão judicial ainda não transitada em julgado. Vejamos a redação dos dispositivos citados:
"CTN. Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial".
Lei 9.430/96:
"Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão. § 12. Será considerada não declarada a compensação nas hipóteses:
II - em que o crédito:
d) seja decorrente de decisão judicial não transitada em julgado".
Obediente aos ditames legais acima mencionados a Receita Federal do Brasil editou o Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 25/2003, através do qual é determinada a aplicação do regime de competência para a apuração dos créditos reconhecidos judicialmente, conforme se percebe do disposto do seu artigo 5º, caput e parágrafos, que estabelecem que créditos tributários decorrentes de ações judiciais devem ser reconhecidos, para fins de tributação de IRPJ e CSLL, sempre após o trânsito em julgado, "in-verbis":
"Art. 5º. Pelo regime de competência, o indébito passa a ser receita tributável do IRPJ e da CSLL no trânsito em julgado da sentença judicial que já define o valor a ser restituído.
§ 1o No caso de a sentença condenatória não definir o valor a ser restituído, o indébito passa a ser receita tributável pelo IRPJ e pela CSLL:
I - na data do trânsito em julgado da sentença que julgar os embargos à execução, fundamentados no excesso de execução (art. 741, inciso V, do CPC); ou
II - na data da expedição do precatório, quando a Fazenda Pública deixar de oferecer embargos à execução.
§ 2º A receita decorrente dos juros de mora devidos sobre o indébito deve compor as bases tributáveis do IRPJ, da CSLL, da Cofins e da Contribuição para o PIS/Pasep, observado o seguinte:
I - se a sentença que julgar a ação de repetição de indébito já definir o valor a ser restituído, é, no seu trânsito em julgado, que passam a ser receita tributável os juros de mora incorridos até aquela data e, a partir dali, os juros incorridos em cada mês deverão ser reconhecidos pelo regime de competência como receita tributável do respectivo mês;
II - se a sentença que julgar a ação de repetição de indébito não definir o valor a ser restituído, é, no trânsito em julgado da sentença dos embargos à execução fundamentados em excesso de execução (art. 741, inciso V, do Código de Processo Civil), que passam a ser receita tributável os juros de mora incorridos até aquela data e, a partir dali, os juros incorridos em cada mês deverão ser reconhecidos pelo regime de competência como receita tributável do respectivo mês;
III - se a sentença que julgar a ação de repetição de indébito não definir o valor a ser restituído e a Fazenda Pública não apresentar embargos à execução, os juros de mora sobre o indébito passam a ser receita tributável na data da expedição do precatório".
Percebe-se que segundo o Ato Declaratório Interpretativo acima mencionado, a apuração e o reconhecimento fiscal dos créditos decorrentes de decisões judiciais somente se dá após o trânsito em julgado, o que torna absurda a interpretação no sentido de que a expressão "período de apuração" constante do art. 26-A, § 1º, "b", da 11.457/2017, incluído pela Lei 13.670/2017, diga respeito ao período originário dos créditos, até mesmo porque antes do referido trânsito em julgado os mesmos inexistem. É certo que tais créditos nascem da decisão transitada em julgado, a apuração de seu valor líquido também se dá na referida data.
O Superior Tribunal de Justiça, no regime de "recursos repetitivos" ao julgar o REsp nº 1.164.452/MG, fixou os temas 345 e 346, pacificando o entendimento de que a compensação tributária autorizada por dedcisão judicial deve ser realizada após o trânsito em julgado, com observância da legislação vigente no momento do encontro de contas, em decisão assim ementada:
“RECURSO ESPECIAL Nº 1.164.452 - MG (2009/0210713-6)RELATOR: MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKIRECORRENTE: DISPAULO - DISTRIBUIDORA DE AÇÚCAR CRISTALPURO LTDA ADVOGADO: FRANCISCO XAVIER D DE SOUZA E OUTRO(S)RECORRIDO : FAZENDA NACIONAL PROCURADOR: PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL EMENTATRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA. LEI APLICÁVEL. VEDAÇÃO DO ART. 170-A DO CTN. INAPLICABILIDADE A DEMANDA ANTERIOR À LC 104/2001.
1. A lei que regula a compensação tributária é a vigente à data do encontro de contas entre os recíprocos débito e crédito da Fazenda e do contribuinte. Precedentes.
2. Em se tratando de compensação de crédito objeto de controvérsia judicial, é vedada a sua realização "antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial", conforme prevê o art. 170-A do CTN, vedação que, todavia, não se aplica a ações judiciais propostas em data anterior à vigência desse dispositivo, introduzido pela LC 104/2001. Precedentes.
3. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia PRIMEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Hamilton Carvalhido, Eliana Calmon e Luiz Fux votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Castro Meira. Brasília, 25 de agosto de 2010 MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI Relator – Dje de 02/09/2010.”
A prevalecer a interpretação da SC 51/2021 em relação ao art. 26-A da Lei 11.457/2017, com a redação dada pela lei nº 13.670/2018, restará materializada a colisão frontal com o art. 150, II da Constituição Federal, “in-verbis”:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”
A inconstitucionalidade da vedação à compensação cruzada se manifesta pela inobservância ao Princípio da Isonomia, ao violar tratamento isonômico entre contribuintes que apuram créditos relativos a tributos/contribuições sociais e previdenciários, ambos administrados pela Receita Federal do Brasil e que estão em situação de equivalência em relação à extinção do crédito tributário previsto no art. 156, II do CTN, especialmente considerando-se que o artigo 7º, § 2º do Decreto-Lei nº 2.287/1986 determina à RFB que, previamente à análise de pedidos de restituição ou ressarcimento de tributos pelos contribuintes, compense de “ofício” os créditos de tributos e contribuições sociais com os débitos em aberto de contribuições previdenciárias”. É dizer que a compensação que é negada ao contribuinte, na situação inversa é assegurada ao Estado, malferindo os princípios da isonomia, proporcionalidade e razoabilidade.
Ressalte-se que, superada a questão da interpretação dada pela SC 051;2021, ainda deve ser considerado o direito do contribuinte em compensar os referidos tributos federais reconhecidos por decisão judicial com trânsito em julgado após o início da utilização do e-Social com as contribuições destinadas aos terceiros e aos fundos, eis que nos termos do artigo 3º, §§ 2º e 3º, da Lei nº 11.457/2007, elas sujeitam-se aos mesmos prazos, condições, sanções e privilégios das contribuições previdenciárias. Também aqui o STJ, ao julgar o REsp 1.498.234/RS, decidiu favoravelmente a tais compensações, sendo de se destacar que a PGFN editou a Nota PGFN/CRJ/Nº 1.245/2016, determinando que a partir de 21/12/2016 não mais recorreria sobre a matéria relativa à compensação de contribuições de outras entidades, com ciência à Receita Federal do Brasil para conhecimento e providências no sentido de garantir a observância do entendimento firmado no referido REsp pelo STJ. Esta matéria também foi pacificada através do art. 8º da Lei 13.670/2018 ao dispor que a compensação dos valores indevidamente recolhidos de quaisquer tributos ou contribuições administradas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil pode se dar com débitos das contribuições devidas a Terceiras Entidades.
Como exemplo do acatamento da tese jurídica sustentada no presente artigo, reproduzimos a liminar concedida no Mandado de Segurança Cível nº 5021593-13-2020.4.03.6100, 2ª Vara Cível Federal de São Paulo, publicada em 15/01/2021, assim fundamentada:
“As medidas liminares, para serem concedidas, dependem da existência de dois pressupostos, quais sejam, o indício do direito alegado e o perigo na demora na solução do feito.
A Lei nº 11.457/2007 criou a “Super Receita”, sendo que a partir desse marco legislativo a Secretaria da Receita Federal passou a acumular a arrecadação dos tributos federais e contribuições sociais.
Em que pese a unificação do processo de arrecadação dos tributos e das contribuições sociais, a mencionada lei limitava a compensação das contribuições previdenciárias com os demais tributos.
A possibilidade de compensação de contribuições previdenciárias com os demais tributos passou a ser possível com a Lei nº 13.670/2018, com o advento do e- Social, de forma restrita.
A mencionada lei alterou dispositivos da Lei nº 11.457/2007 e, em seu artigo 26-A, trouxe limitações a essa compensação, basicamente, estabelecendo que somente seria possível a compensação de contribuições com tributos apurados após a utilização do e-Social:
“Art. 26-A. O disposto no art. 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996: (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018)
I - aplica-se à compensação das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei efetuada pelo sujeito passivo que utilizar o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial), para apuração das referidas contribuições, observado o disposto no § 1º deste artigo; (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018)
II - não se aplica à compensação das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei efetuada pelos demais sujeitos passivos; e (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018)
III - não se aplica ao regime uni?cado de pagamento de tributos, de contribuições e dos demais encargos do empregador doméstico (Simples Doméstico). (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018)
§ 1º Não poderão ser objeto da compensação de que trata o inciso I do caput deste artigo: (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018)
I - o débito das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei: (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018)
a) relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para a apuração das referidas contribuições; e (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018)
b) relativo a período de apuração posterior à utilização do eSocial com crédito dos demais tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil concernente a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das referidas contribuições; e (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018)
II - o débito dos demais tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil: (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018)
a) relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração de tributos com crédito concernente às contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei; e (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018)
b) com crédito das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das referidas contribuições. (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018)
§ 2º A Secretaria da Receita Federal do Brasil disciplinará o disposto neste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018).
Entendo que é plausível a alegação da parte impetrante, considerando que o reconhecimento de créditos ocorrido com o trânsito em julgado de decisões judiciais após a implantação do e-Social não se sujeita à limitação aparentemente imposta pela Lei.
Não obstante eventuais recolhimentos indevidos possam ter sido efetivados antes do advento da Lei nº 13.670/2018, somente há o reconhecimento do direito ao crédito – créditos incontroversos e, portanto, líquidos e certos - com a decisão judicial de?nitiva, após o que seria possível a compensação, nos termos do artigo 170-A do CTN.
O reforço argumentativo no sentido de que o Fisco tributa os juros decorrentes de tais créditos como receitas ?nanceiras, por entender que se trata de receita nova, de igual modo, é plausível para amparar a pretensão posta, uma vez que não pode o Fisco incidir em tal contrariedade e entender que se trata de crédito novo para tributar e não o admitir como crédito novo para compensar.
De uma maneira em geral, todos os créditos e débitos em questão são administrados pela Receita Federal do Brasil e a própria lei 13.670/2018 já mitiga a impossibilidade de compensação de contribuições previdenciárias com os demais tributos por ela (RFB) administrados, para aqueles que efetivarem a escrituração digital das obrigações ?scais, previdenciárias e trabalhistas na apuração das mencionadas contribuições, não cabendo a interpretação restritiva do Fisco.
Com efeito, as compensações, nos moldes apresentados na presente demanda, não devem ser tratadas como não declaradas, devendo a autoridade se abster, nessas situações, de aplicar o disposto no artigo 76, inciso XIX, da Instrução Normativa RFB nº 1.717/17.
O periculum in mora se justifica uma vez que, caso não seja concedida a medida liminar, a Impetrante não poderá efetivamente aproveitar os créditos de PIS e COFINS reconhecidos em ação judicial transitada em julgado, se submetendo ao recolhimento das contribuições previdenciárias correntes, o que lhe retiraria parte da liquidez necessária ao regular desenvolvimento de suas atividades.
Ante o exposto DEFIRO a LIMINAR para
(i) suspender e afastar a restrição imposta pelo artigo 26-A da Lei nº 11.457/2007, de forma a permitir à Impetrante que realize a compensação entre os débitos de contribuições previdenciárias (cota patronal, destinadas ao SAT/RAT e às Terceiras Entidades) e os créditos de PIS e COFINS reconhecidos nos autos dos Mandados de Segurança nºs 0025178-52.2006.403.6100 e 5005309-32.2017.4.03.6100;
(ii) suspender e afastar a restrição para a compensação entre os créditos apurados no período entre 2018 e 2019, com débitos de contribuições previdenciárias de agosto e setembro de 2020, conforme constam nos Processos Administrativos nºs 10166.745149/2020-34 e 10166.750666/2020-25; e
(iii) determinar às DD. Autoridades Coatoras que se abstenham de praticar quaisquer atos punitivos contra a Impetrante, como negar expedição de Certidão de regularidade ?scal/previdenciária, impor autuações em decorrência de obrigações acessórias, ou lançamentos fiscais em razão da compensação das referidas contribuições.”
Assim, podemos concluir que segundo da Solução de Consulta nº 51/2021, que por sua vez vincula as autoridades administrativas, não há possibilidade do contribuinte promover a chamada compensação cruzada de créditos tributários reconhecidos judicialmente com contribuições previdenciárias e vice-versa, quando os mesmos se refiram a período de apuração anterior à implementação do e-Social, ainda que o trânsito em julgado da decisão que reconheça o crédito tenha ocorrido em data posterior ao início da utilização do e-Social, salvo se o mesmo buscar o seu direito frente ao Poder Judiciário e obtiver liminar ou decisão como no exemplo acima mencionado.
© 2021 Janir Adir Moreira e Advogados Associados. All Rights Reserved | Design by Janir